Só me consigo organizar se escrever. Poucas
palavras rabiscadas num pequeno pedaço de papel reutilizado bastam, quer se
tratem de planos para uma tarde, quer sejam para a vida.
É por isso que o estou a fazer neste momento,
a escrever. Não o faço por particular talento ou aptidão; tento, isso sim,
organizar-me. Preciso de arrumar as ideias que me dilaceram o pensamento, ou
que talvez não o façam, já que ultimamente tudo me é indiferente, assim como
nada o é.
Não sei que caminho seguir; não encontro a
placa que indica o correto. Ela deve existir algures, não é mesmo?
Gosto de tudo e não gosto de nada. Quero ser
tudo e não encontro vocação para nada. Preciso de tudo e não procuro nada. São estas inconstâncias, esta inconsistência;
são estas permanentes antíteses...
Porém, há algo que eu sei, algo que eu quero;
quero passar esta fase o mais rapidamente possível. Quero avançar o Secundário,
deixar para trás aquele local contaminado de hipocrisia, falsidade e
oportunismo, que me incendeiam a pele desde o primeiro instante, quais
labaredas de repugnância.
Não que seja inocente ao ponto de acreditar
que lá fora, na vida real, não aconteça o mesmo. Não que acredite piamente que
um dia me vou integrar, corresponder perfeitamente aos padrões da dita
sociedade, conviver com pessoas com quem realmente de identifique, sentir que
penso e sinto da mesma forma que os outros. Não que viva na ilusão de que
noutros locais as pessoas não me vão odiar após o primeiro olhar, que não
vão formar os seus juízos erráticos e falaciosos. Que o façam, desde que noutro
local, um outro que não me asfixie.
Sempre me achei diferente. (...)
Muito tempo passado depois de eu ter vencido
a timidez dos primeiros anos de escolaridade, a história repete-se. As Elas são
outras, o motivo de aversão também, com certeza. Desta vez não sou aquela
rapariga inteligente, talvez porque tenha parado no tempo, no lugar onde
desejaria ter ficado; talvez porque me tenha deixado afundar nas areias
movediças da indiferença; talvez porque era assim que tinha de ser.
Lamento que tanta gente com quem
convivo diariamente ainda confunda timidez com "mania"; tenho pena
que não percebam que sou assim, não porque me acho superior, mas porque me
sinto deslocada, porque não quero estar a mais, porque não pretendo, de maneira
alguma, atrapalhar. (...)
Costumo perguntar-me porque é que toda a
gente me detesta. No fundo, não sei se o lamento ou não. (...)
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