23 de novembro de 2013

Escrito num qualquer dia do ano de 2011

Só me consigo organizar se escrever. Poucas palavras rabiscadas num pequeno pedaço de papel reutilizado bastam, quer se tratem de planos para uma tarde, quer sejam para a vida.
É por isso que o estou a fazer neste momento, a escrever. Não o faço por particular talento ou aptidão; tento, isso sim, organizar-me. Preciso de arrumar as ideias que me dilaceram o pensamento, ou que talvez não o façam, já que ultimamente tudo me é indiferente, assim como nada o é.
Não sei que caminho seguir; não encontro a placa que indica o correto. Ela deve existir algures, não é mesmo?
Gosto de tudo e não gosto de nada. Quero ser tudo e não encontro vocação para  nada. Preciso de tudo e não procuro nada. São estas inconstâncias, esta inconsistência; são estas permanentes antíteses...
Porém, há algo que eu sei, algo que eu quero; quero passar esta fase o mais rapidamente possível. Quero avançar o Secundário, deixar para trás aquele local contaminado de hipocrisia, falsidade e oportunismo, que me incendeiam a pele desde o primeiro instante, quais labaredas de repugnância.
Não que seja inocente ao ponto de acreditar que lá fora, na vida real, não aconteça o mesmo. Não que acredite piamente que um dia me vou integrar, corresponder perfeitamente aos padrões da dita sociedade, conviver com pessoas com quem realmente de identifique, sentir que penso e sinto da mesma forma que os outros. Não que viva na ilusão de que noutros locais as pessoas não me vão odiar após o primeiro olhar, que não vão formar os seus juízos erráticos e falaciosos. Que o façam, desde que noutro local, um outro que não me asfixie.
Sempre me achei diferente. (...)
Muito tempo passado depois de eu ter vencido a timidez dos primeiros anos de escolaridade, a história repete-se. As Elas são outras, o motivo de aversão também, com certeza. Desta vez não sou aquela rapariga inteligente, talvez porque tenha parado no tempo, no lugar onde desejaria ter ficado; talvez porque me tenha deixado afundar nas areias movediças da indiferença; talvez porque era assim que tinha de ser.
Lamento que tanta gente com quem convivo diariamente ainda confunda timidez com "mania"; tenho pena que não percebam que sou assim, não porque me acho superior, mas porque me sinto deslocada, porque não quero estar a mais, porque não pretendo, de maneira alguma, atrapalhar. (...)
Costumo perguntar-me porque é que toda a gente me detesta. No fundo, não sei se o lamento ou não. (...)

delicadeza

Delicada, como uma rosa; como a flor cuja encantadora beleza e agradável perfume não a tornam menos frágil. Talvez seja essa mesma fragilidade o que a distingue das restantes, talvez seja ela o que a torna especial.
Contudo, aquele aspeto docemente débil não é compreensível. Ora, sendo a mais bela e perfumada, porque há-de ser tão insegura? Por que motivo uma tão grande necessidade de proteção que justifique os espinhos?
Quem sabe se as flores também se magoam - à sua maneira. Quem sabe se também elas conseguem lançar como afiadas flechas palavras ferozes e olhares escrutinadores à procura de pontos fracos onde acertar. Quem sabe se comentam entre elas a falsa inocência e ternura da rosa.
Mas ela resiste. Resiste às flores que a ferem, resiste a si própria que se culpa por ser como é. Resiste, esperando alguém que não se canse da sua eterna fragilidade, que a envolva e a proteja.

2 de novembro de 2013

"(Enlacemos as mãos.)"

Quietação

A tranquilidade do fim de tarde confortava-me, a escuridão típica daquela hora invernal permitia-me descansar. E a frescura do ar. E as gotas de água que caiam espaçadamente das folhas da árvore que sussurrava a meu lado.
O resto permanecia imóvel. Havia duas filas de carros aleatoriamente estacionados que, ainda assim, pareciam ter sido encaixados cuidadosamente para compor a paisagem daquela forma. Não a conseguia imaginar de outra maneira.
Sentia a presença de pessoas. Distantes e pensativas, como convidava o ambiente. Isso era bom, senti-las.
Ouvia o ruído abafado do rádio de um automóvel. Musica no volume certo, agradavelmente certo.
Voltei a olhar a árvore, a sentir as gotas, a inspirar o ar, a tocar o escuro.
Tudo estava perfeito. Pensei - "Obrigada".

De: Rafael, o Hipócrita

Olha... ah, Ana Sofia. Não gosto nada de ti. Acho-te menos bonita, inteligente e engraçada do que eu, como é óbvio, mas não te suporto mesmo, porque... não sei, só não suporto. Aliás, detesto qualquer pessoa que não me ache perfeito e que não me considere o seu ídolo, principalmente se ambos soubermos que, no fundo, o sujeito em causa é melhor do que eu, como é o caso.
O parágrafo anterior parece contraditório, não é? Sim, tanto parece como é mesmo.Isso, uma vez que todo eu sou o  acumular de situações à partida incompatíveis, como já deves ter reparado.
Vejamos:

  • Sou um autêntico cromo. (Ainda te lembras dos meus óculos de armação em massa azul e do meu aparelho dentário às corzinhas, certo?) No entanto, fumo como se não houvesse amanhã, da mesma forma que tenho outras atitudes de rebeldia, já que a minha auto-estima necessita de níveis de popularidade acima de certos valores, caso contrário, há risco de colapso de todo o meu ser, que é como quem diz, da minha infinita arrogância. 
  • Sou burro, mas como me farto de estudar, suborno os professores e ainda copio durante os testes, consigo notas excelentes. Deus me livre, se nem assim era!
  • Sou feio com'ó caraças! Contudo, sendo que amor próprio não me falta, - ok, isto é relativo, mas esta reflexão exige uma capacidade de pensamento que eu não possuo, avancemos - farto-me de falar das minhas conquistas do sexo feminino (das outras não se fala, está claro), nomeadamente em noites quentes, ambiente arenoso e forte odor a álcool, nem que estas aconteçam em sonhos, apenas e só.
Bem, chega de falar de mim. Ahahah! Achavas que era a sério? Impossível, dado o meu nível de egocentrismo. Contudo, não são os meus defeitos que estou aqui para acusar.
Tu irritas-me.Irritas-me profundamente e as razões deste sentimento são as seguintes:
a) Já tive uma paixoneta por ti, em tempos de menor índice de estupidez (e popularidade), que mantive em segredo, por te achar demasiado perfeita para mim. Ou imperfeita, que é quase a mesma coisa.
b) Não te percebo. Calada, séria, aparentemente parva, na verdade bem lúcida. Não perceber alguma coisa chateia-me.
c) Não gostas de mim, o que, mais uma vez, é incompreensível.
d) Gostava de ser como tu. Inveja, portanto. Tens valores, cultura, não vives unicamente para estudar e ainda pareces ignorar completamente o que pensam ou vão pensar de ti. Isto, sim, é o mais puro sentimento de cobiça!
Já deves ter percebido o que te queria dizer: saber que existes provoca-me o desconforto que senti na primeira vez que deixei que..., que dei o... Bem, não importa!
O que interessa é que me irritas. Vê lá se desapareces, ou faz-me desaparecer, é como quiseres.

O teu mais estúpido remetente,
Rafael, o Hipócrita

Incómodo silêncio

Incómodas, silenciosas palavras
gastas, exaustas, sem
sentido algum.
Brotam a cada instante,
mirram sem serem ditas.
Palavras poucas, coragem
menos, significado nenhum.
Ou muito, pela ausência.
Silêncio inquieto, constante.